"Olavo, você consegue sintetizar por que o Eric Voegelin concluiu que a “História das Idéias Políticas” estava por demais carregada de visão ideológica e por que ele achou que depois dos três primeiros volumes da “Ordem e História” ele precisava mudar o rumo?
Olavo de Carvalho: Ele concluiu que “idéias políticas” não podem, em si mesmas, ser objeto de uma narrativa histórica, como se as doutrinas se gerassem uma à outra no céu das idéias puras, O que havia era a história de experiências reais, das quais as idéias e doutrinas eram apenas um componente entre outros e uma expressão verbal quase sempre deficiente."
Identidade nacional, idéias políticas e fascismo (https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2016/02/07/identidade-nacional-ideias-politicas-e/)"Em páginas memoráveis da sua History of Political Ideas, vol. IV (22 das Collected Works), Eric Voegelin, alias ele próprio um luterano, explica que nem o monge de Wittemberg nem o doutrinário genebrino compreendiam as grandes questões políticas nas quais interferiam ousadamente com sua boa consciência de “eleitos”.
O lado católico, representado não só pelo Vaticano como mais diretamente pelo polemista antiluterano Johann Eck (1486-1543), não as compreendia tampouco, donde resultou uma herança de confusões inextricáveis nas quais até hoje nos debatemos."
Herança e confusões (https://www.seminariodefilosofia.org/heranca-e-confusoes/)"A idéia de um controle total do governante sobre os indivíduos só aparece realizada nos antigos impérios cosmológicos" ~ Egito, Babilônia, China. Já em Platão (República), a vaga recordação de um Estado "perfeito" na qual parecem flutuar resíduos do modelo egípcio é projetada para o futuro, ou para um tempo abstrato: a u~topia é também u~cronia. A idéia reaparece no Renascimento, insuflada pela onda de nostalgia platônica e pitagórica. Vem tingida de três novas nuances: a ciência matematizante da natureza, a autoconfiança prometéica no poder do homem e a influência de seitas gnósticas persuadidas de que o mundo criado é o mal e deve ser substituído por um mundo inventado pelo homem. Eric Voegelin (History of Political Ideas) assinala ainda o impacto que as vitórias de Tamerlão tiveram sobre a mente ocidental, promovendo a imagem do governante todo-poderoso que, pela sua força, engenho e sorte, se coloca acima do bem e do mal (tal a origem do Príncipe de Maquiavel). A influência conjugada das seitas gnósticas e da nova mitologia do rei onipotente está na origem das idéias modernas de absolutismo e de razão-de-estado, sem as quais a possibilidade de um controle oficial sobre as vidas dos indivíduos não é sequer pensável.""
Tocqueville e o totalitarismo (http://old.olavodecarvalho.org/textos/tocqueville.htm)"Mendo Castro Henriques, professor na Universidade Católica de Lisboa e já conhecido dos visitantes desta homepage, selecionou alguns textos inéditos compostos por Eric Voegelin para o abortado projeto de uma History of Political Ideas e com eles montou um volume, Estudos de Idéias Políticas – de Erasmo a Nietzsche, publicado pelas Edições Ática, de Lisboa, em 1996. Foi portanto em português que esses textos, originalmente datilografados em inglês, se publicaram pela primeira vez no mundo. O volume saiu com uma bela introdução pelo próprio Mendo Castro Henriques e uma nota assinada pela viúva do autor, Lissy Voegelin. – O. de C."
Karl Marx segundo Eric Voegelin (http://olavodecarvalho.org/karl-marx-segundo-eric-voegelin/)"Esses arranjos e supressões, criando uma facilidade enganosa, acabam por dificultar a compreensão do que existe de mais característico no pensamento de Tomás, que é precisamente a coexistência de uma poderosa inteligência metafísica com a boa-fé quase simplória com que sua alma santa se abria aos dados do real e da ciência do seu tempo, sem nenhuma prevenção dogmática. A história da vaca voadora é provavelmente fictícia, mas reflete bem o espírito de Tomás. O santo estava estudando quando um monge o chamou às pressas para ver uma vaca que passava voando diante da janela. Tomás saltou da cadeira e, reclinado ao parapeito, vasculhou os céus em busca da vaca, enquanto em torno os outros monges explodiam numa gargalhada coletiva. Surpreendido, o santo se explicou: É que achei mais razoável uma vaca voar do que um monge mentir." O que é certo é que Tomás, alertado para qualquer fenômeno, por mais esquisito e alheio a suas crenças, jamais recusaria examiná-lo com a maior boa fé, mesmo que isto o levasse a conclusões bem diversas das esperadas. Nada poderia contrastar mais enfaticamente com a imagem de um sistema hierárquico fechado, que se consagrou na imaginação do leitor contemporâneo por obra de apologistas ingênuos e adversários astutos. Diz Eric Voegelin: "Esse sistema frouxamente atado, em certos pontos repleto e abundante de excessos de digressão, é o perfeito símbolo de uma mente que não é nem apriorística nem empirista, mas em si mesma um ser histórico vivente, experienciando sua harmonia com a manifestação de Deus no mundo histórico." (6) Não por coincidência, prossegue Voegelin, algumas das idéias mais interessantes de Tomás se encontram espalhadas nas digressões e não no corpo central dos argumentos.""
Sto. Tomás, a vaca voadora e nós (http://web.archive.org/web/20060305111241/http://www.olavodecarvalho.org/textos/stotomas.htm)"Malgrado a alucinante variedade dos movimentos gnósticos e as diferenças entre suas formulações teóricas, há no fundo de todos eles a unidade de uma cosmovisão, ou no mínimo de um sentimento cósmico comum: a vivência do universo como lugar hostil e do homem como criatura jogada no meio de uma máquina absurda e incompreensível. Em última instância, é a rejeição do julgamento que Deus fez da Sua própria criação no último dia do Gênesis, quando Ele olhou o cosmos e “viu que era bom”. Para os gnósticos, a ordem cósmica é essencialmente má e ao homem não resta senão o caminho da fuga ou da revolta. Ao longo dos oito volumes de sua “History of political ideas” e dos cinco da obra inacabada “Order and History” (ambas publicadas pela University of Missouri Press), Voegelin demonstrou que dessa visão inicial emergiram os desenvolvimentos mais variados, desde a total rejeição da vida mediante o ascetismo à outrance dos cátaros, passando pelo sonho dos alquimistas elisabetanos de “corrigir a natureza”, até as utopias políticas modernas da Revolução Francesa e dos movimentos comunista, nazista e fascista, com suas ambições prometéicas de sociedade planejada, Estado onipotente e felicidade coletiva a ser alcançada por meio de um morticínio redentor.
O gnosticismo, assim compreendido, não é só uma revolta contra o catolicismo em particular, mas contra toda visão tradicional da ordem social como expressão da ordem divina da alma e do cosmos."
Gnósticos e revolucionários (http://old.olavodecarvalho.org/semana/gnosticos.htm)"Conversando com algumas dezenas de oficiais superiores, homens sem nenhuma cumplicidade consciente com o comunismo, pude constatar que estavam atualizadíssimos com a literatura útil aos comunistas, mas ignoravam por completo a vasta produção de estudos surgidos das pesquisas da última década nos Arquivos de Moscou. Haviam lido Hobsbawm, Chomsky, Jameson e “tutti quanti”. Não os viam como os meros falsários comunistas que são, mas como intelectuais idôneos, porta-vozes qualificados da “cultura ocidental”. Nada sabiam dos livros de Anatoliy Golitsyn (“New Lies for Old” e “The Perestroyka Deception”), de Stanislav Lunev (“Under the Eyes of the Enemy”), de Christopher Andrew (“The Sword and the Shield”), de Ladislav Bittman (“The KGB and Soviet Disinformation”) ou de Joseph D. Douglass (“Red Cocaine: The Drugging of America and the West”) — em suma, ignoravam as obras mais lidas pelos profissionais de informação e contra-informação militar no mundo.
Muito menos sabiam de estudos de interesse histórico mais geral publicados na última década sobre o movimento comunista passado e presente, como os de Vladimir Boukovski (“Jugement à Moscou”), Jean-François Revel (“La Grande Parade”), Jean Sévillia (“Le Térrorisme Intellectuel”), Stephen Koch (“Double Lives”), Miguel Farías Jr. (“Cuba in Revolution”), Arthur Herman (“Joseph McCarthy — America’s most Hated Senator”), Carlos Alberto Montaner (“Viaje al Corazón de Cuba”), Roger Kimball (“Tenured Radicals”), Keith Lloyd Billingsley (“Hollywood Party”).
E, é claro, ignoravam ainda mais profundamente obras de maior alcance teórico sobre o assunto, como as de James Billington (“Fire in the Minds of Men”) e Eric Voegelin (“The New Science of Politics”, “History of Political Ideas”).
Com esses rombos no seu quadro de referências intelectuais, e preenchendo-os com materiais do cardápio esquerdista, como não haveriam esses homens bons e patriotas de acabar servindo, de algum modo, aos propósitos daqueles que mais os odeiam?"
Leituras militares (http://olavodecarvalho.org/leituras-militares/)