"As interpretações correntes do termo capitalismo são tão abundantes quanto insatisfatórias, não obstante a sua definição ser quase banal. Como tive alguns dias para descansar, decidi reler o clássico de Max Weber “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (Ed. Pioneira, 2001) e aproveitei para reler a resenha desse livro feita por Alain Peyrefitte em “A Sociedade da Confiança” (Ed. Topbooks, 1999). Não satisfeito, procurei na Internet a referências e citações sobre o assunto e aparecerem centenas delas. Lamentavelmente, à exceção do artigo do professor Meira Penna publicado no Estadão sobre a citada obra de Peyrefitte e uma introdução a essa obra feita pelo filósofo Olavo de Carvalho, todo o resto se resume a um duelo laudatório entre os seguidores de Weber e os seguidores de Marx.
Esse três autores são as referências para a compreensão dessa forma de organização social. Peyrefitte, como veremos abaixo, é muito superior aos outros dois, mas lamentavelmente é pouco divulgado no Brasil."
Discutindo o capitalismo (http://www.olavodecarvalho.org/convidados/0190.htm)"Se essa sociedade pôde evitar os conflitos que viriam a marcar a História da França, foi graças a três fatores. Primeiro, a religião, uma religião tanto mais arraigada na alma do povo quanto mais livre da contaminação estatal, pois fora justamente para proteger seu culto religioso de toda interferência governamental que os pioneiros tinham vindo para o Novo Mundo. Essa religião, popular e extra-oficial, mas ao mesmo tempo conservadora e apegada às tradições, dava aos americanos sua unidade moral, mais funda e decisiva que qualquer unidade política. Em segundo lugar, a economia. Sua base, religiosa até à medula, era a sociedade de confiança" de que fala Alain Peyrefitte, ou a "ethics of loyalty" enaltecida por Josiah Royce: a liberdade de comprar e vender, fundada na comum expectativa da lealdade espontânea de todos para com todos.""
O futuro da liberdade (http://www.olavodecarvalho.org/semana/futlib.htm)"Vocês já repararam, por exemplo, que quando algum direitista ilustre como Roberto Campos ou Miguel Reale é entrevistado na TV ele é sempre submetido a um interrogatório agressivo que procura comprometer sua imagem? Já notaram que, inversamente, quando o entrevistado é um figurão esquerdista, como Paulo Freire, José Saramago ou Oscar Niemeyer, as perguntas são sempre de natureza a mostrar que são criaturas lindas-maravilhosas? Por que só põem esquerdistas para entrevistar direitistas, enquanto os esquerdistas têm o privilégio de ser sempre entrevistados por seus simpatizantes? Acham que isso é coincidência? Não é não. É um sistema, é uniforme e é mundial. Leiam este parágrafo de Alain Peyrefitte (ex-ministro do Interior do governo gaullista), escrito quando estava no poder o socialista Mitterand:
O domínio da esquerda sobre os jornalistas, reforçado pela tutela política da televisão, induziu àquilo que um socialista lúcido, Thyerry Pfister – jornalista que foi conselheiro técnico do Primeiro-ministro Pierre Mauroy – chama ostensivamente de 'lógica manipuladora'. Esta exprime-se mediante a proximidade, habilmente mantida, entre a esfera do poder e os 'formadores de opinião', através de um 'jornalismo de conivência'.
Já se viu uma conivência mais acentuada do que, por exemplo, no dia em que o presidente da República se fez interrogar na televisão pelas esposas de dois de seus ministros? Alguém será capaz de imaginar o general de Gaulle, Georges Pompidou ou Valéry Giscard d’Estaing fazendo-se interrogar assim 'em família'? Que reações essa prática não teria suscitado!
Alain Peyrefitte, La France en Désarroi, em De la France, Paris, Omnibus, 1996, p. 1034.
Esse gênero de manipulação tem nome: é a revolução cultural gramsciana."
Gramscianos enfezadinhos, uni-vos (http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm)"A base última da sociedade humana, ensinavam S. Paulo Apóstolo e Sto. Agostinho, é o amor ao próximo. Tingida ou não de ódio ao estranho (que é por assim dizer a sua contrapartida demoníaca, reflexo da imperfeição inerente do amor humano e não um fator substantivo independente como pretendia Emmanuel Levinas), a comunidade do espírito, devoção comum a um sentido de vida aberto para a transcendência, reflui sobre cada um dos seus membros, aureolando-o de uma espécie de sacralidade aos olhos dos demais, seja nomeando-o um membro do corpo de Cristo ou da umma islâmica, um civis romanus, um descendente de Moisés, um herdeiro da tradição nhambiquara ou um simples “cidadão” da democracia moderna, partícipe na comunidade dos direitos invioláveis adquiridos, em última análise, de instituições religiosas milenares. Não é concebível nenhuma “fraternidade” sem uma “paternidade” comum. Mesmo na esfera mais imediata da vida econômica, nenhum comércio frutífero é possível sem a “sociedade de confiança” da qual falava Alain Peyrefitte, fundada na crença de que os valores sagrados de um não serão violados pelo outro."
Uma lição de Hegel (http://www.olavodecarvalho.org/semana/081114dc.html)"Na década de 70, o cientista político e ex-ministro francês da Justiça, Alain Peyrefitte, defendeu com profusão de provas e documentos a tese de que o protestantismo não fomentara o desenvolvimento capitalista em razão do seu conteúdo moral, como supusera Weber, mas sim pela forma da organização das suas igrejas. Desprovidos de uma autoridade central como a do Papado, os grupos religiosos independentes encontraram na convivência igualitária, no livre comércio e na fidelidade aos mandamentos evangélicos, interpretados segundo a consciência de cada qual, os princípios de uma nova ordem social e econômica que floresceu no capitalismo moderno. Nos países católicos, inversa e complementarmente, a causa da paralisia econômica não foi a moral da Igreja, mas a centralização burocrática. O Papado, assustado com a rebelião protestante, atormentado de suspeitas contra tudo e contra todos, e ao mesmo tempo fortalecido pela súbita ascensão das monarquias católicas que as navegações haviam enriquecido, fechou-se numa hierarquia rígida e numa reivindicação de poder absoluto, eliminando o que restava do pluralismo medieval e sufocando a iniciativa de auto-organização da sociedade. Seu exemplo não demorou a ser seguido pelas monarquias sob a sua influência, especialmente Portugal e Espanha. O sonho de Sto. Tomás, de uma sociedade cristã de homens livres, unidos tão-somente como membros do corpo místico de Cristo, acabou-se realizando entre os 'infiéis' protestantes.
Max Weber, em suma, ouvira o galo cantar sem saber onde. Três elementos foram decisivos para o bom resultado econômico do capitalismo: (a) a liberdade de auto-organização; (b) a homogeneidade moral, resultado da fidelidade geral ao Evangelho (tanto mais estrita porque, não havendo autoridade formal superior, a Bíblia se tornava, diretamente, o critério comum para a arbitragem de todas as disputas); (c) o ambiente de confiança, honradez e seriedade criado pelos dois fatores anteriores. Em contrapartida, o autoritarismo papal e monárquico criou sociedades anêmicas, desfibradas, intimidadas e corrompidas pela subserviência à burocracia onipotente."
Cultura e desenvolvimento econômico (http://www.olavodecarvalho.org/semana/leader_ago_2003.htm)"Decorridos sete anos, o Dicionário Crítico do Pensamento da Direita, pago com dinheiro do governo à fina flor da esquerda falante – 104 intelectuais que prometiam esgotar o assunto –, ainda exibia despudoradamente a total ignorância universitária de um autor que, àquela altura, já era tido no seu país e nos EUA como um dos mais vigorosos homens de idéias no campo conservador (v. http://www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm). Só se pode alegar como atenuante o fato de que não haviam excluído Roger Scruton por birra pessoal. Ao contrário, eram rigorosamente democráticos na distribuição da sua ignorância: desconheciam, por igual, Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek, Murray Rothbard, Russel Kirk, Thomas Sowell, Bertrand de Jouvenel, Alain Peyrefitte e praticamente todos os demais autores sem os quais não existiria nenhum “pensamento da direita” para ser dicionarizado. Uma breve consulta ao popular Dictionary of American Conservatism, publicado três anos antes, teria bastado para dar àqueles cavalheiros a informação mínima que lhes faltava sobre o assunto em que pontificavam, mas provavelmente as verbas federais com que encheram os bolsos não bastaram para comprar um exemplar."
Até que enfim (http://www.olavodecarvalho.org/semana/110921dc.html)"Quem quer que tenha lido Karl Marx e os teóricos do liberal-capitalismo sabe que, nestes últimos, as preocupações morais vêm em primeiro lugar, enquanto naquele estão ausentes por completo. De John Locke a Bertrand de Jouvenel, de Adam Smith a Alain Peyrefitte, de Aléxis de Tocqueville a Russel Kirk, a justificação do capitalismo é de ordem essencialmente moral. Já Marx não esconde seu desprezo por leis morais de qualquer espécie, às quais nega toda substancialidade, fazendo delas meras superestruturas da economia, isto é, discursos de legitimação do interesse de classe, seja escravista, feudal, burguês ou proletário. Só o que Marx alega contra o capitalismo é que, a partir de um certo ponto, ele freia o desenvolvimento dos meios de produção que ele próprio criou, isto é, se torna improdutivo. Não é um argumento moral, é econômico, histórico e técnico. Ademais, é falso: o que freia o desenvolvimento das forças produtivas é a burocracia estatal socialista (que o digam nossos 41% de impostos)."
O Dalai-Lama adere (http://www.olavodecarvalho.org/semana/030614globo.htm)"Fernando Henrique Cardoso, que tem entre seus inumeráveis méritos não só a criação do programa de trezentos milhões de dólares mas também a virtude de saber fazer-se de gostosão com muito mais naturalidade do que seu antecessor e xará Fernando Collor, nos ensinou com notável antecedência que essas campanhas de castidade juvenil e fidelidade conjugal não estão com nada. Falando numa conferência em Paris – ele fica tão bem em Paris, vocês não acham? --, ele disse que essas campanhas “só servem para confundir as pessoas”. Como exemplo dessa confusão, ele citou o caso das esposas brasileiras, fielmente monogâmicas, que vão para a cama com seus maridos e contraem Aids. “Elas não usaram camisinhas, porque tinham um parceiro só, e pegaram a doença.” O próprio sr. Lewis não alcançaria a profundidade desse argumento, segundo o qual a fonte do perigo não está nos maridos que traem, mas nas esposas traídas; não está no contaminador, mas na contaminada. O pensamento do grande intelectual uspiano chega, aí, às raias do sublime. Com poucas e fulminantes palavras o autor de Dependência e Desenvolvimento na América Latina – o único livro que se tornou clássico por meio do esquecimento geral – reduz a pó a tese de seu amigo Alain Peyrefitte, de que as sociedades progridem na medida em que nelas imperam os laços de lealdade e confiança. Sociedade normal, sociedade progressista, na doutrina FHC, é aquela na qual a deslealdade está tão generalizada que mesmo as esposas não podem confiar nos maridos. Quando a lealdade falha, como é justo e normal, não se deve portanto fazer uma campanha para restaurá-la, mas, ao contrário, oficializar a deslealdade tornando a camisinha, em vez da fidelidade, uma obrigação moral dos cônjuges. Da minha parte, acreditando piamente que o nosso ex-presidente não seria hipócrita ao ponto de desejar uma moral para as famílias brasileiras em geral e outra para a dele próprio, admito que Dona Rute não deve mesmo, em hipótese alguma, permitir que seu marido venha com coisa para cima dela sem uma camisinha. Talvez até duas. Se ele já veio para cima de nós todos sem nenhuma, é tarde para pensar nisso. Relax and enjoy."
Aids, Brasil e Uganda (http://www.olavodecarvalho.org/semana/051017dc.htm)"Como a classe afluente no Brasil é prodigiosamente inculta e sem formação moral, é grande, neste país, o número de empresários prósperos que se gabam de personificar uma síntese de astúcia amoral e neutralidade ideológica que lhes parece o supra-sumo da modernidade. Quando pensam encarnar o espírito mesmo do capitalismo, não sabem que esse capitalismo foi inventado por Lênin e Armand Hammer. O outro capitalismo, o verdadeiro, é aquele que, segundo Adam Smith, necessita da honestidade como um peixe precisa de água; aquele que, segundo Alain Peyrefitte, tem por único fundamento a confiança dos homens na lealdade de seus semelhantes."
Aviso aos espertalhões (http://olavodecarvalho.org/semana/espertalhoes.htm)"Os homens que criaram o capitalismo eram religiosos protestantes, imbuídos da noção de que o comércio era o campo preferencial para a prática coletiva das virtudes cristãs. Os homens que o teorizam hoje em dia são tecnocratas materialistas e economicistas, que não entendem um “a” da complexa estrutura espiritual da civilização e apostam cegamente em fórmulas mágicas que lhes parecem muito científicas. Foram eles que celebraram a queda da URSS como o advento do paraíso global democrático-capitalista. O que a década seguinte lhes trouxe foi o crescimento avassalador da rebelião esquerdista e a ocupação cultural da Europa pelos invasores islâmicos. Procure algum guru empresarial que tenha previsto esse desenvolvimento. Não encontrará nenhum. No entanto, os estudiosos de religiões comparadas já o previam desde a década de 30. Eles não são idiotas o bastante para acreditar que a economia determina o curso da história. Não são meros marxistas com sinal trocado como aqueles a quem o empresariado paga rios de dinheiro para que o intoxiquem de ilusões.
Segundo: A crença de que é possível construir uma sociedade espiritualmente neutra baseada na pura racionalidade econômica e na mecânica dos “interesses” é ela mesma uma ideologia revolucionária, que como tal só serve para solapar as últimas barreiras opostas pela civilização judaico-cristã ao avanço aparentemente irrefreável do totalitarismo no mundo.
Essa ideologia, que hoje muitos entendem como a encarnação mais pura do capitalismo, surgiu três séculos depois da prática capitalista e jamais foi adotada na Inglaterra ou nos EUA. Ela é a herdeira direta dos Lockes, Mandevilles e Benthams – a ala materialista e utilitarista do iluminismo inglês, a que me referi em artigo anterior – e o único país que acreditou nela foi a França. Leiam “Le Mal Français”, de Alain Peyrefitte (Paris, Plon, 1976), e verão no que deu: um capitalismo capenga, hiper-regulamentado, que reduziu ao estado de potência de segunda classe aquela que dois séculos e meio atrás era a nação mais rica e poderosa do universo."
Profetas do capitalismo global (http://www.olavodecarvalho.org/semana/070416dc.html)"dona Marilena enuncia um segundo “princípio nuclear”, alegando que não é nem de sua invenção, mas que exprime a quintessência unanimitária do “pensamento político moderno”. Segundo esse princípio, “a moralidade pública não depende do caráter dos indivíduos e sim da qualidade das instituições como expressões concretas do lugar e do sentido da lei”.
Sei que argumentar não vale, mas quem quer que conheça um pouco o tal “pensamento político moderno”, de Maquiavel a Voegelin, de Hobbes a Weber, de Tocqueville a Peyrefitte (sem esquecer evidentemente Marx), sabe precisamente o contrário do que afirma essa senhora: sabe que a moralidade depende de tudo, menos das instituições e das leis. Depende do costume, da cultura, da religião, da educação, até da economia. Depende sobretudo do caráter dos indivíduos, moldado por esses fatores de base. Os códigos e instituições vêm em cima, seja como expressões da moralidade consagrada, seja como vãs e monstruosas tentativas totalitárias de mudá-la por decreto."
Nazismo de cátedra (http://old.olavodecarvalho.org/semana/ncatedra.htm)